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Uma breve introdução a uma idéia: a Transadministração

Qual a definição de administração? De maneira simplista, podemos definir Administração de duas maneiras diferentes:

a – pelo senso comum, como a profissão que tenta fazer as empresas funcionarem, obtendo normalmente lucro, e

b – pelos próprios administradores, como a arte e a ciência de se fazer coisas através de pessoas.

Um filósofo da Administração poderia contestar as duas definições acima, e sugerir uma terceira, embora que possa ser uma definição inicialmente não convencional, ou prematura, ou ainda provisória, sujeita a modificações.

Mas, não há oficialmente filósofos da administração, nem formalmente há cursos de formação em Filosofia da Administração. Então, por que falar de uma Filosofia da Administração?

Primeiro, é importante enfatizar que Filosofia da Administração não é a mesma coisa que uma “filosofia de administração”. Esta é apenas uma forma pessoal de um administrador exercer sua atividade, da mesma maneira que qualquer profissional pode ter sua própria maneira de ver sua profissão, podendo ou não adotar certas linhas de pensamento ou certas correntes ou teorias. Neste sentido, um profissional, tal como um psicólogo, pode seguir o pensamento freudiano ou junguiano, ou um economista pode ser da escola marxista ou capitalista, ou um médico pode ser de filosofia holística ou qualquer outra.  Como administrador, um profissional pode definir-se como sendo da linha burocrática, ou democrática, ou ditatorial, ou como adepto de qualquer outra forma ou maneira de gerenciar ou planejar. Neste sentido - filosofia de trabalho – uma filosofia de administrar é apenas uma escolha pessoal de um profissional, nem sempre consistente ao longo do tempo. Não é neste sentido que falamos de Filosofia da Administração.

Como afirmamos, não há cursos de Filosofia da Administração. Mas ela existe.

Então, como surgiu?

A Filosofia da Administração não surgiu, no sentido normal do termo. Ela está surgindo. Melhor: está tentando surgir, como um corpo de conhecimentos desvinculado da Administração tradicional.

Talvez a Filosofia da Administração nem mesmo devesse ter esse nome, já que pode haver confusão entre um tipo de conhecimento e outro.

Por que devemos pensar que há dois corpos de conhecimento chamados ambos, simultaneamente, de Filosofia da Administração?

Porque há, hoje, livros e escritores falando de algo que chamam de Filosofia da Administração, mas que de certo modo, não é exatamente um estudo da Administração e seus problemas usando-se de métodos filosóficos. O que há é uma espécie de conjunção entre temas da Filosofia tradicional e temas da Administração tradicional, temas comuns às duas áreas, que não significa exatamente um conjunto de ferramentas para o administrador, nem para o filósofo. É evidente que a Filosofia, uma atividade que remonta a pelo menos 2.500 anos no mundo ocidental, tenha várias vezes, através de diversos autores e seus escritos, tocado em temas que hoje entendemos como pertinentes ou pertencentes à Administração. E pode-se considerar que a temática comum entre Administração e Filosofia é tão vasta que seria legítimo que um estudioso se devotasse a estuda-la. Certamente seria de utilidade para ambos os profissionais, administradores e filósofos, mas o conhecimento oriundo de um estudo dessa temática não substituiria o método filosófico como ferramenta para o filósofo, nem substituiria a Teoria da Administração atual como ferramenta para o administrador. Essa Filosofia da Administração baseada na tangência entre duas esferas de conhecimento distintas dificilmente chega a romper a barreira oferecida pela maciça quantidade de conhecimentos concorrentes e consolidados em ambas as esferas de saber, e assim, acaba por permanecer como um ramo periférico e subsidiário em ambas as áreas. Esse é o corpo de conhecimentos chamado de Filosofia da Administração, o qual podemos chamar de tradicional, porque não é um ramo do conhecimento que se propõe surgir como algo novo e revolucionário.

No entanto, há uma homônima Filosofia da Administração, que se esforça para nascer, e que podemos chamar de nova Filosofia da Administração, desde que entendamos algumas diferenças.

As propostas que se delineiam dentro desta nova Filosofia da Administração pouco ou nada tem a ver com a História da Filosofia e com a História da Administração – áreas comumente abordadas pela Filosofia da Administração tradicional – ou mesmo com o uso do método filosófico para se resolver problemas administrativos. Na verdade, as áreas estudadas por essa nova Filosofia da Administração estão mais conectadas à Economia, Matemática, Biologia, Sociologia, Informática e Psicologia, que propriamente à Filosofia ou mesmo à Administração tradicional.

Por ter um enfoque teórico, numérico e transdisciplinar, talvez fosse melhor classificar essa área de estudo como pertencendo à Economia, mas não há na teoria econômica espaço para ela, uma vez que tradicionalmente a Economia subdivide-se em macro e micro economia. Para que se pudesse classificar os novos estudos dentro da Economia, teríamos que criar algo como novas categorias ou divisões, duas ao menos, que poderiam denominar-se naturalmente, em função de seus conteúdos, de nanoeconomia e transeconomia. O que sejam esses conteúdos é questão que os próprios nomes apenas sugerem, embora que tais sugestões não tragam nada além que seja mais específico.

Mas então, estaríamos indo longe demais ao propor novas categorias à Economia, uma vez que essa proposta significa uma tentativa de intervenção em uma ciência a qual não estamos suficientemente familiarizados a estudar, nem autorizados a exercer. Convém que essa nova Filosofia da Administração encontre seu espaço inserindo-se na Administração, não na Economia, embora que de fato não seja nem uma coisa, nem outra, ao mesmo tempo em que abarque partes de ambas as áreas.

No entanto, e essa é a verdade, a dificuldade em se classificar essa Nova Filosofia da Administração sugere fortemente que aquilo que tradicionalmente entendemos por Administração necessita urgentemente de um acréscimo vigoroso de músculos teóricos, acréscimo que, quer queiramos ou não, envolve áreas de outras ciências, e de forma tão vasta, que pode vir a desfazer a imagem e a identidade que hoje a Administração tradicional possui, fazendo com que a mesma passe a assemelhar-se mais a um arranjo multidisciplinar que a uma disciplina específica e delimitada.

Os termos Nanoeconomia e Transeconomia não são de todo errados. Entretanto, ao tratarmos de Filosofia da Administração, não é exatamente de Economia que estamos falando. Então, para evitar confusão, e ainda que possa soar prematuro, o que surge como um novo campo de conhecimento é, na verdade, melhor descrito como Transadministração. Mais que a Administração tradicional, a Transadministração, para conter uma Filosofia da Administração, precisaria, por sua vez, ampliar seu leque conceitual, e, à maneira da Economia, tratar de abordar seu corpo teórico de maneira macro e micro. Mas não seriam somente essas as duas áreas necessárias. Seria preciso que houvesse uma terceira, já sugerida, que trataria de um ramo até agora negligenciado, a Nanoadministração. Assim subdividida, a Transadministração se subdividiria em Macroadministração, Microadministração e Nanoadministração.

Pareceria uma divisão tal como a da Economia tradicional? Em parte sim, já que a Administração tradicional, assim como a ciência da Contabilidade, podem ser classificadas como ciências econômicas aplicadas. Mas, Administração não é exatamente Microeconomia, e Contabilidade não poderia ser classificada como Nanoeconomia, se essa suposta subdivisão da Economia realmente existisse.

A Transadministração como um todo suporia mais até que a Macroeconomia, e a Nanoadministração esmiuçaria entidades menores que a empresa, indo a níveis de detalhes que nem a Contabilidade alcança hoje, ou alcançaria uma Nanoeconomia. A área de conhecimento mais próxima da Transadministração seria a Teoria dos Sistemas, mas não se confunde com ela também. Evidentemente que a Transadministração se serve de muito daquilo que a Teoria dos Sistemas concebeu, mas há diferenças.

Entender o que seja Transadministração parece ser o próximo passo lógico, porque até então, sabemos apenas o que esta não é: nem Administração, nem Filosofia da Administração tradicionais, nem Economia, nem Contabilidade e nem Teoria dos Sistemas.

Antes que se possa saber exatamente do que trata esta área de conhecimento,  primeiro é preciso frisar que ela não poderia fugir de um princípio, que podemos chamar de elementar: o de causa e efeito. E no que consiste este princípio? Qual a sua natureza e o que ele diz? E porque a Transadministração não pode fugir dele?

O princípio de causa e efeito diz simplesmente que todo efeito possui uma causa. Em outras palavras, ele diz que um evento sempre precede outro. Uma afirmação dessas é obviamente de natureza filosófica, e seria quase o mesmo que afirmar que existe o espaço e o tempo, no sentido que a Física adota para esses termos. Esse princípio, ainda que elementar, pode ser contestado por argumentos filosóficos sólidos, mas não é essa a questão, ao menos por enquanto. Por ora, simplesmente limitemo-nos a admitir como dado o fato de que existe o espaço e o tempo, onde um evento precede outro, e que nada acontece sem uma causa, fato este a partir do qual se funda toda a Transadministração. E é por esse motivo que a Transadministração não pode fugir do princípio da causa e efeito, ou do tempo e do espaço: na medida em que os nega, deixa de haver razão para a mesma existir.

Mas a simples admissão de um princípio elementar como o de causa e efeito pode servir de fundamento para se criar uma nova área de conhecimento? Não é o princípio, na verdade, um pressuposto de toda e qualquer ciência?

De fato, é por ser tão elementar que sequer é mencionado. Mesmo um criança sabe que as coisas não ocorrem por acaso. Mesmo os animais e as plantas, e até a matéria bruta sofrem seus efeitos. O problema do princípio de causa e efeito é que podemos até não nos referirmos a ele explicitamente em nossas alegações em geral, mas não podemos, em hipótese nenhuma, negligenciá-lo.

A Transadministração surge, então, do resgate desse princípio elementar negligenciado, se não por todas as áreas do conhecimento, ao menos pela Administração.

Por não ignorar o tempo, a Transadministração não pode ignorar sua própria origem. Como surgiu? Que eventos a moldaram? Que percursos seguiram os raciocínios que a deram forma? Se tomarmos a própria Transadministração como efeito, quais foram as suas causas?

Ignorar as origens da Transadministração seria ignorar o princípio de causa e efeito, o fundamento de sua própria existência. Ignorar sua origem seria ignorar a si mesma.

A Transadministração não poderia cometer esse erro elementar. Daí a importância de se voltar ao passado e traçar o percurso das idéias que a moldaram, e ainda a estão moldando. Assim, o primeiro passo para se entender o que seja a Transadministração é saber como ela surgiu.

Transadministração é apenas um rótulo, somente uma embalagem para um produto, uma embalagem ainda vazia. Devemos admitir que é pouco, embora seja de se admirar a petulância, ou ousadia, de se tentar criar um novo campo de conhecimentos, o verdadeiro produto que preencherá o invólucro vazio do nome Transadministração.

Mas o invólucro já existe. Talvez não seja novo, nem muito adequado, mas foi concebido para conter um corpo de conhecimentos, e portanto, ele não foi concebido aleatoriamente. Há alguma ousadia quando afirmamos que temos a pretensão de desenvolver algo. No caso, a ousadia se deve à segurança relativa proporcionada pelo fato de que já existem algumas sementes em formas de idéias, que prometem germinar. As sementes em si são quase inúteis como utilidades, mas elas são o começo, sem o qual não se chega a utilidade nenhuma.

O que são essas sementes? O que elas prometem? Onde estão? Como surgiram?

As sementes são idéias, insights, obtidos durante muitos anos de questionamentos em torno do que é hoje a Administração tradicional. Como idéias, são sementes porque estão em estágio de embrião. Não são idéias examinadas exaustivamente, debatidas, contestadas ou analisadas. São apenas lampejos que insinuam algo diferente, novo, e por vezes surpreendente. Elas prometem debates acalorados, e quem sabe, uma visão melhor do terreno hoje confuso da Administração. Muitas delas poderiam ser melhor estudadas por outras ciências, mas agrupá-las não está errado, porque elas não vão ser estudadas com base nas premissas da Administração tradicional. Esta, por sua própria natureza, não comportaria estudá-las em seu seio sem que essa incorporação de novas idéias não viesse a provocar críticas, indiferença, ou mesmo sarcasmo e pilhérias. Não são idéias tradicionais ao meio administrativo, embora versem sobre administração.

Essas idéias estão por toda parte. Elas estão nos jornais, nos livros, nos problemas diários mais mundanos, mas também estão nos tratados científicos e filosóficos sofisticados, nos embates acadêmicos, nos grandes problemas globais. Essas idéias não são necessariamente novas, nem estão agrupadas ainda. Se estivessem todas juntas, compondo um conjunto coerente, um todo, já seria uma ciência, a Transadministração, ou um outro nome qualquer, mas ainda não é uma ciência própria porque ainda não nos demos conta da necessidade destas idéias serem compiladas e coordenadas, comparadas, cotejadas. Este é um trabalho longo, minucioso e monumental, fadado a ocupar mentes por longas gerações. O processo em si não seria tanto de se criar novas idéias, mas o de filtrá-las, classificá-las e analisá-las, as já existentes, no universo fragmentado,  porém esmagador, do conhecimento disponível. Não se trata necessariamente de novas idéias, mas de idéias esparsas, desligadas de um contexto. Muitas delas precisarão de uma nova roupagem, mais adequada a um novo contexto, mas serão basicamente as mesmas idéias.

Como não há ninguém realizando essa tarefa atualmente, como ainda não está em andamento o surgimento de uma compilação de idéias conexas, o que dispomos é de uma espécie de sensibilidade individual, que nos habilita ao menos, por assim dizer, farejá-las no meio da massa diária de informação que nos bombardeia.

Farejar uma idéia que se enquadra no campo da Transadministração requer algum treinamento e muita curiosidade.

Individualmente, podemos dispor de alguma facilidade para reconhecer textos, problemas, autores, soluções e correlatos que conseguimos classificar como pertinente ao assunto. Farejar idéias seria uma característica fundamental, então, a um transadministrador.

Dispomos de uma pequena compilação de idéias, algumas originais, e muitas nem tanto. As que não são originais, no entanto, são abordadas sob um novo ponto de vista. O processo de compilação já dura alguns anos, e compreende um material interessante, e ao menos em parte, precioso. No entanto, o tempo decorrido coletando idéias naturalmente que não se tratou de uma tarefa propriamente de Transadministração. Mais uma vez, é importante enfatizar que a Transadministração será o resultado do estudo dessas idéias em germe, e não elas mesmas. A etapa de se compilar idéias é a que se poderia chamar de etapa filosófica. Durante um longo tempo estudamos filosoficamente questões relativas à Administração, mas, decorrido esse período de reflexões, concluímos que o resultado decorrente não tem mais relação direta com aquilo que entendemos tradicionalmente por Administração.

É importante ressaltar a diferença entre pensar filosoficamente sobre questões de Administração, o que poderíamos chamar de farejar idéias interessantes, da atividade da tradicional Filosofia da Administração, que estuda mais a relação histórica entre Filosofia e Administração. A tarefa de farejar idéias interessantes enquanto se filosofa sobre Administração é uma tarefa prévia à Transadministração. Farejar idéias não é a mesma coisa que Transadministrar. Tão pouco é uma tarefa que se possa dizer que seja da Administração ou da Filosofia. Farejar idéias interessantes é uma tarefa intuitiva, personalizada, assistemática, artística, por assim dizer, e pode durar uma vida toda sem que se chegue a sistematizar nada de forma coerente e científica. Já transadministrar é tomar de um conjunto de conhecimentos científicos e aplicá-los na vida real. Como esse conhecimento científico não está ainda validado, ou não está ainda em um formato adequado, ou ainda não foi adequadamente sistematizado, não pode ser usado adequadamente na vida real. Quer dizer, ainda não se é possível transadministrar na prática. Antes disso, é preciso que se tome das milhares de idéias-sementes coletadas durante o farejar filosófico e as filtre, e se tome das melhores e mais profícuas, e as desenvolva de maneira metódica, sistemática, científica. Só a partir daí, quando uma idéia promissora se tornar de fato um conhecimento consolidado, um procedimento operacional, uma tecnologia disponível, é que poderá ser usado na prática da Transadministração. Por enquanto, isso é apenas uma promessa.

Sabemos então que, mesmo como promessa, a Transadministração teve como origem um período de vários anos de levantamentos de questões, idéias, ponderações, relativas à Administração. Mas, como uma atividade que teve um início, o período de filosofia investigativa teve uma causa originária. Que causa foi essa? O que levaria alguém a questionar toda a Administração? Como se deu esse questionamento? É um questionamento válido?

Tentar responder a essas questões pode nos levar a um indesejável retorno ao passado, sempre em busca de uma causa anterior, já que cada causa é um efeito que teve por sua vez uma causa anterior, num retrocesso ad infinitum. Limitar a busca de causas por outro lado, limitaria o poder de explicação de uma resposta qualquer. Tentaremos um equilíbrio, sem cair na trivialidade, por um lado, e na dúvida, por outro.

Suponhamos que tentássemos buscar as origens da Administração. Como é sabido, acabaríamos descobrindo que Frederick Winslow Taylor foi o pioneiro, ou precursor, tradicionalmente aceito, da chamada Administração Científica, no final do século XIX e começo do século XX. Essa resposta satisfaz a um administrador e ao senso comum, mas não deveria satisfazer a um transadministrador, ou na inexistência deste por enquanto, ao menos não deveria satisfazer ao filósofo da Administração, o farejador de idéias interessantes. Sabemos que Santos Dumont e os irmãos Wright iniciaram a era da aviação. Todos sabem e comemoram, mas os passageiros e pilotos de aviões não precisam sabem muito mais que isso do passado da aviação para voar. O fato de haver um passado que remonta à origem do homem na Terra e seus anseios de voar como os pássaros e o mito de Ícaro tem relevância apenas histórica para a aviação moderna e seus usuários. Por que então o passado da Administração que remonta a Taylor e antes dele deveria suscitar indagações de um filósofo da Administração?

A pergunta em si sugere já uma resposta no sentido de que estudar o passado é uma necessidade, não um capricho. Estudar o passado passa a ser uma necessidade profissional na medida em que supomos estar no passado a solução de algum problema presente, segundo o princípio de causa e efeito. Mas qual o problema que a Administração enfrenta, que nos obriga a estudar seu passado? O problema que a Administração enfrenta é que seus resultados estão aquém do desejado. Não precisamos estudar a história da aviação visando solucionar um problema presente, mas sim apenas para conhecer os problemas históricos que a aviação precisou enfrentar e já superou. O passado da aviação não suscita mais estudos com o intuito de se solucionar problemas, já que não carrega mais enigmas à espera de serem decifrados. Mas, se precisamos estudar melhor o passado da Administração,  em busca de respostas para problemas presentes, essa necessidade se deve simplesmente porque, em termos gerais, a aviação funciona a contento, enquanto que a Administração, nem tanto. O passado da Administração, antes e depois de Taylor, deveria ser uma mera curiosidade histórica se as questões debatidas no passado pelos pioneiros da Administração estivessem resolvidas como estão as questões debatidas por Dumont e os Wright no início do século XX, mas não é esse o caso. 

Um piloto não questiona se seus motores a jato podem ou não ser capazes de decolar seu avião, e os passageiros não se preocupam com a possibilidade de o piloto não saber o rumo a tomar para chegarem a seus destinos. O mundo da aviação funciona bem. O mundo da Administração, nem tanto.

A percepção de que a Administração, embora tenha as suas origens históricas traçadas quase que simultaneamente às origens da indústria aeronáutica e automobilística, dentre outras, não goza da mesma segurança de princípios que estas. O administrador não dispõe dos recursos que o engenho dispõe.

Essa observação não é um truísmo, nem é banal. Imaginemos um mundo onde as empresas, criadas e geridas por administradores profissionais, funcionassem com a eficiência e segurança de um Boeing 747 ou de um carro de corrida Fórmula 1 da Ferrari. A realidade, diz o senso comum, não é essa. Constatar as deficiências da Administração com base em comparações entre áreas tão distintas não parece correto ou justo. E de fato, não é. A Administração é uma atividade social, e requer o manejo de vontades, desejos, enfim, requer que se lide com pessoas para se atingir resultados, enquanto que engenheiros lidam com a matéria bruta. Engenheiros não precisam convencer, nem liderar, nem persuadir, nem negociar com a matéria bruta. Mas, sabemos que algo deu errado com a engenharia quando um motor funde ou quando um foguete espacial explode no lançamento de algum satélite, ou quando um avião cai, ou quando um bug trava um programa de computador. Sabemos que algo deu errado, e esse saber é válido tanto para o trabalho de engenheiros quanto de administradores, médicos, políticos, professores e cozinheiros. Os resultados mostram o que funciona e o que não funciona em termos de conhecimento profissional, tecnologia e ciência. Talvez esse critério, o dos resultados, não seja o correto, mas ele serve de base neutra para se avaliar a eficiência tanto da Administração quanto daquele que a aplica, o administrador.

A Administração funciona? E, mesmo que funcione, funciona o administrador? Perguntas elementares, mas que só surgem em casos especiais: depois que fracassamos. Quer dizer, só surgem quando os fracassos são tantos que algo vermelho pisca sofregamente em nosso nariz, e com tal alarde que, ou somos cegos e surdos para com a série de desastres que insistem em se repetir, ou acabamos percebendo que há algo errado nos processos que precedem esses desastres. Algo está errado, alguma peça está faltando ou funcionando mal, ou há algum parafuso solto no meio das engrenagens. 

Quanto a mim, foi essa luz vermelha piscando em meu painel de instrumentos administrativos que me alertou para as questões acima, e muitas outras mais. No momento em que percebi algo errado, eu já era um administrador, formado a cinco anos. 

Como se deu esse alerta? Estaria falhando o administrador ou a Administração? Qualquer que fosse a resposta, eu não poderia ignorar os resultados pífios e a frustração em não conseguir fazer as coisas funcionarem. 

Eu estava, então, enfrentando uma crise de identidade profissional. Era preciso que eu a enfrentasse, e eu resolvi tentar.

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 Data original de criação do documento: domingo, 10 de setembro de 2006, 20:00 h