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Atitudes
ecológicas em 99
Há
em nossa cultura de massa uma ânsia por convencer, manipular.
Um
acontecimento qualquer pode ser analisado sob dezenas de enfoques, e eu poderia
focar um ato simples, como a compra de uma agenda, como um mero ato de consumo,
sem maiores implicações, mas não posso me furtar de analisar esse ato sob um
ponto de vista peculiar: o da Filosofia da Administração.
Por
que me focar especificamente no ato de se comprar uma agenda, e não em outro,
como fumar um cigarro, ou tomar um ônibus, ou ainda jogar o lixo fora? Se
pensarmos que podemos tomar qualquer coisa e analisá-la sob qualquer ângulo,
então, por que a compra de uma agenda? E por que um enfoque
administrativo-filosófico? Bem, é preciso que se faça alguma escolha.
Vejamos.
Os
atos e coisas são em número infinito, e os pontos de vista, também. Como
simples exercício matemático, as combinações “coisas x pontos de vista”
adquirem proporções também infinitas. O que torna um arranjo “coisa x ponto
de vista” especial, entre uma infinidade deles, é que eu fiz essa escolha. O
ato de comprar uma agenda é de interesse especial para mim, em particular,
devido às implicações que essa agenda provocou. E o enfoque
administrativo-filosófico é o escolhido somente porque eu sou administrador, e
pensar sob esse ponto de vista é para mim mais um ato prazeroso e estimulante
do que exatamente um ato profissional.
Afora
ser um administrador, sou, ou melhor, desempenho, inúmeros outros papéis na
sociedade, e posso adotar outro enfoque e um outro ato ou coisa para se
analisar, mas não me sinto tão motivado. Então, seria um desperdício de
tempo tentar adotar um outro ponto de vista e um outro tema. Claro, eu não
saberia dizer de antemão se este ponto de vista é o mais útil, ou se há
outro mais produtivo. A questão da utilidade não importa tanto aqui, já que
sem motivação, não seria certo ou garantido que eu seria capaz de
proporcionar algo de útil sob um outro ponto de vista. A única garantia que
tenho é que, motivado, tenho maiores chances de produzir algo do que estando
desmotivado. Se vier a produzir algo, cabe verificar a posteriori se é,
se não útil, ao menos agradável de se ler. Se for agradável, ou útil, ou
ambos, meu tempo escrevendo não foi um esforço em vão. Prefiro fazer algo
agradável, mas não necessariamente útil, do que algo útil e desagradável,
no momento em que escrevo. De resto, tentarei ser útil ao mundo de outra forma,
se não conseguir ser escrevendo. Escrever é, então, para mim, mais um lazer
agradável que um trabalho útil. Mas se puder ser útil, ótimo, embora que
seja um ganho colateral.
Quando
digo que analiso as coisas sob o ponto de vista da Filosofia da Administração,
o faço porque é um ponto de vista que me proporciona prazer, e é sob o qual
consigo ser mais lúcido, criativo, inspirado, por assim dizer. Não teria tanta
coisa a pensar ou dizer sob outro ponto de vista. Mas, que ponto de vista é
este? O que é a Filosofia da Administração?
Claro,
como administrador, sou um profissional que cursou uma universidade e cumpriu o
ritual exigido para se exercer oficialmente uma profissão. Mas, não há a
profissão de filósofo da Administração.
Oficialmente, posso administrar, mas filosofar é uma coisa muito
diferente.
Há
algum problema em um administrador filosofar sobre sua área de trabalho? Talvez
sim, se ele não dominar a arte ou técnica de filosofar. Então, um filósofo
profissional seria o mais indicado para filosofar sobre Administração, mas
surge então um problema: Administração é um assunto técnico que exige anos
de estudo. Pode um filósofo que não conhece Administração filosofar sobre
aquilo que não conhece?
Por
um lado, falta ao administrador a técnica de filosofar. Por outro, falta ao filósofo
o corpo de conhecimentos sobre o qual filosofar. Alguém com a formação tanto
em Administração quanto em Filosofia seria a pessoa ideal, reuniria as
qualificações exigidas para se intitular um filósofo da Administração.
Em tese.
Na
prática, não precisamos chegar a tanto. Possuir um curso de Administração é
uma formalidade que não dá a garantia de se administrar bem nada, nem é um
obstáculo ao ato de se administrar o que quer que seja. Administradores
fracassam dia e noite, incessantemente, apesar de serem administradores, e Bill
Gates não precisou cursar Administração para chegar aonde chegou. E o mesmo
se pode dizer da Filosofia. As faculdades põem para fora de suas salas de aula
milhares de bacharéis em Filosofia todos os anos, e não assistimos a exércitos
de Platões ou Sartres revolucionando o mundo. E nem por isso deixa-se de
pensar. E o mundo continua a mudar, com ou sem a ajuda dos filósofos. Idéias
surgem e revoluções ocorrem, oriundas das mentes mais variadas, a maioria
delas pertencentes a pessoas que jamais cursaram uma faculdade de Filosofia.
Então,
o que me impede de filosofar? Ou, dizendo de outra forma, o que me habilita a
filosofar, já que devo admitir que um mínimo de técnica é necessário para
se pensar corretamente?
De
fato, não há impedimento algum em filosofar sobre o que quer que seja, e a
Internet está repleta de milhões de sites e fóruns de Filosofia, de
Administração, de tudo, onde bilhões de pessoas pensam sobre bilhões de
assuntos. Afora o prazer de se pensar, que é um ganho daquele que pensa,
que ganho há para aquele que lê? Quer dizer: o fato de se pensar muito
não significa que se obtenha como resultado algo de interessante ou útil digno
de se vir a público. Então, que fatos me levam a concluir que minhas idéias,
em particular, serão melhores, mais interessantes ou úteis que as bilhões de
outras esparramadas pelo oceano on-line?
Bem,
nenhum fato pode garantir de antemão a qualidade, por assim dizer, de minhas
reflexões, mas se houver alguma qualidade, ela somente poderá ser avaliada e
reconhecida se vier ao mundo. Enquanto pensamento, a idéia mais original,
revolucionária ou útil não passa de ser o que é: um pensamento. Ela é
inacessível, desconhecida e, portanto, não existe para o mundo exterior. É
preciso que ela, a idéia, seja verbalizada, escrita, publicada, para que seja
possível de ser avaliada. Não posso ser julgado, como filósofo, sem antes
expor minhas idéias.
Mas,
porque expô-las? Por que não simplesmente pensá-las e guardá-las para mim
mesmo? É mesmo preciso publicá-las? Bem, nem todas. Nem tudo o que se pensa é
digno de nota. Algumas coisas pensadas devem mesmo ser banidas da mente que as
pensou. Não. De fato, nem tudo presta. Logo, se publico algo, é porque
aparentemente esse algo já passou pelo crivo de algum filtro de qualidade. Esse
filtro, admito, existe.
A
mente é uma tela volátil. Pensamos o tempo todo, mas nem tudo se afixa em
nossa memória. Imagine que, durante um sonho, seja lhe dito o segredo de algo
realmente raro, como um mapa de um tesouro muito valioso, cuja posse depende
apenas de localizá-lo. O mapa que vemos no sonho é real, claro e perfeito, mas
é complexo. Ao acordar, sei que o sonho é um sonho, mas, por que não
registrar o mapa complexo em uma folha de papel real? Nunca se sabe...
Idéias
são, sob certos aspectos, como esses mapas do tesouro. Elas, como os sonhos,
existem somente em nossa mente. Elas, como os mapas, são complexas, e precisam
ser passadas para o papel, sob o risco de perdermos os detalhes. Os caminhos de
um raciocínio são intrincados, complicados, bifurcados, tênues. Enquanto
pensamos, o raciocínio está claro, mas, um minuto de distração e ele se
dissolve como fumaça. É urgente e sábio anotá-los, os raciocínios e idéias,
para que se fixem definitivamente.
Mas,
a conclusão é valiosa? Ou, dito de outra forma, será que no x do mapa do
sonho há mesmo um tesouro enterrado? Não há como saber, a não ser tentando a
sorte e escavando.
É
verdade que nem sempre podemos testar nossas idéias, assim como não podemos
procurar por nossos tesouros revelados em nossos sonhos. O mundo real possui
tesouros reais, que sabemos onde estão, mas não somos capazes de alcançá-los,
assim como temos idéias maravilhosas, porém impraticáveis. Mas não podemos
perder o mapa. Um dia, quando a tecnologia permitir, vasculharemos o fundo dos
mares em busca de galeões repletos de ouro e prata. Um dia, quando for possível,
teremos a fusão a frio, colônias lunares e a volta no tempo. Boas idéias e
bons sonhos não podem ser esquecidos. Eles valem por si sós como promessas
futuras. Eles nos desafiam a tentar. Eles são, por si sós, tesouros valiosos.
Alguém,
um profissional anônimo, resolveu incluir na minha Ecoagenda 99 uma página
intitulada “Atitudes ecológicas em 99”. O que o levou a isso?
Como
disse no início, há em nossa cultura de massa uma ânsia por convencer,
manipular. Suponhamos que esse profissional anônimo, ao projetar a minha
agenda, estivesse imbuído do mais sincero senso de conscientização ecológica.
Imaginemos que ele, consciente da gravidade da situação do planeta,
resolvesse, após muita ponderação, que não basta fazermos a nossa parte e
informamos ao mundo a respeito da gravidade dessa situação. É preciso mais:
é preciso que as pessoas mudem seus hábitos. É preciso que façamos algo e
que o façamos agora. Sim, você sabe que o mundo corre perigo, mas, e daí? O
que você está esperando para agir? O que você vai fazer, agora, para
contribuir contra o desastre? O que vai fazer para deter, agora, o rumo negro
das coisas? Então, pare de lamentar e aja! Faça, na sua Ecoagenda, uma lista
de atitudes ecológicas para o ano que se inicia. Aproveite que está no início
do ano, que está planejando seu futuro, que está organizando seu tempo, e
prepare sua lista de boas ações.
Assim,
suponho, nasceu a terceira página de minha agenda. Fruto das boas intenções
dos profissionais anônimos de empresas socialmente responsáveis. Isso soa
correto e não há muito que se discutir, exceto que, como filósofo da
Administração, não posso deixar de pensar um pouco mais aprofundadamente no
assunto. Como filósofo da Administração, vejo conexões ocultas, falácias,
implicações, erros e acertos nessa simples página de agenda, e vou me deter
nela.
Ecologia
é um tema global e, se ainda não interessa, deveria interessar profundamente a
todo administrador, quando não a todo ser humano do planeta. Soa familiar? Sim,
mas os motivos que me levam a pensar assim não são necessariamente os
mesmos que levam o cidadão comum, ou o ecologista, a pensar no mesmo
assunto. Mais uma vez, o enfoque que dou à Ecologia é o da Filosofia da
Administração. Que enfoque é esse? É um enfoque diferente do adotado pelo
cidadão comum. Mas, qual o enfoque do cidadão comum?
O
cidadão comum, ao menos no século XXI, vive rodeado de informação de forma
absoluta, maciça, incisiva e incansável. Se abordarmos um ser humano qualquer,
em qualquer lugar do planeta, e indagarmos se ele acha que o mundo vai bem, e
que o mundo não apresenta problemas ecológicos, teremos como resposta um olhar
de espanto: como o mundo vai bem? Como pode ir bem? Como não temos problemas?
É óbvio, evidente que temos problemas. Todos sabem disso. As crianças sabem,
os idosos sabem, a população urbana sabe e a população rural também. Como
todos sabem disso? Como uma percepção pode vir a ser tão universal e unânime?
Problemas ecológicos parecem tão certos quanto o Sol que brilha no céu: todos
vêem, todos sentem, todos confirmam, e doido é aquele que os nega. Eu os nego?
Não, claro que não. Eu os vejo com meus próprios olhos. Como
negá-los?
Seria
o caso de, como o geocentrismo, ser o problema ecológico um erro universal?
Todos sabemos que a Terra gira em torno do Sol, e que o nascer e o pôr do Sol
significa somente que a Terra gira em torno de seu próprio eixo a cada vinte e
quatro horas. Mas gostamos de pensar e dizer que é o Sol que gira em torno da
Terra. É mais conveniente e intuitivo. A razão diz A, e aceitamos A, mas
gostamos de sentir e pensar B, que sabemos racionalmente ser apenas uma ilusão.
Romantismo? Talvez.
O
problema ecológico é uma ilusão que intuímos erradamente? Será que, na
verdade, o mundo nunca esteve tão seguro e harmonioso? Será que a humanidade,
na verdade, é a benção para o planeta e que, poluindo-o, equilibra uma equação
que nunca se harmonizou por si própria, entregue a um passado de puro acaso
darwiniano? Não saberia dizer a resposta a essa questão.
O
certo é que o senso comum intui o contrário, e
luta para reequilibrar um mundo em processo de destruição, cuja causa
é humana, e personalizada. O senso comum intui, e a informação que flui é
que somos os culpados, eu, você, pessoalmente, pelo drama cósmico da Terra.
Temos culpa, e devemos sentir essa culpa, e fazer dessa culpa um motivador para
que façamos algo pelo planeta. Temos urgentemente que fazer algo. Seria egoísmo
demais ver o mundo ir a pique e ficarmos assistindo ao fim de maneira passiva,
confortavelmente aferrados a nossos hábitos de consumo nocivos. Temos que fazer
algo e esse algo significa, obviamente, sacrifícios. Tal como na religião, na
teologia ecológica não há espaço para a salvação sem sacrifícios. Por
questão de justiça a culpa maior deve recair sobre outros, sejam esses outros
os governos, as empresas ou o Diabo, mas nós temos que, pessoalmente, fazer a
nossa parte. E aceitamos essa culpa como um fato consumado, embora que nem
sempre tomemos atitudes específicas necessariamente em função dessa culpa,
mesmo porque, por vezes sequer sabemos de que maneira estamos contribuindo para
o barco afundar. Não fui eu quem começou a afundar o barco, mas tenho que
pegar meu balde e fazer a minha parte, senão, afundo junto. Dizem que o simples
fato de eu estar no barco já me faz culpado de ele estar indo a pique. Fico
imaginando como isso é possível, e se seria o caso de meu próprio peso estar
ajudando a afundar um barco sobrecarregado. Pode ser este o caso, mas no fundo,
não consigo ver a conexão entre simplesmente existir inocentemente e ser
culpado pelo fim do mundo, mas ainda assim aceito de
bom grado a culpa por existir, a minha parcela de culpa, democraticamente
distribuída, e tento, com o meu pequeno balde, ajudar a salvar o navio. Esse é
o senso comum, mas, por que eu aceito calado a minha parcela democrática de
culpa?
Em
geral, porque não quero ser visto como o egoísta, o vilão. Sei que, no final,
se o barco afundar, os culpados pagarão o preço do fracasso, e sei que todos
pagarão, porque todos são culpados, bastando que existam, mas sei também que
os egoístas levarão uma punição maior, porque o barco poderia ter sido salvo
se esses mesmos egoístas tivessem ajudado. Não quero ser um oportunista. Mas
como podemos ser oportunistas se, ao sermos egoístas e não ajudando,
pereceremos juntos com os demais? Qual o ganho do egoísmo, se o egoísta também
morre no final? Morrer descansado? Então, que descanse para sempre.
É
que o desastre não é para hoje, nem para amanhã. É para depois de amanhã,
ou, com sorte, para a semana que vem. Mas, na semana que vem, não estarei mais
no barco, espero.
Mas
não há como sair do barco. O barco é a Terra, a própria Terra, e não há
como fugir. E mesmo que o desastre seja daqui a cem anos, e não estejamos mais
aqui, é errado deixar que nossos filhos e netos paguem o preço de nossa negligência.
E mesmo que não tenhamos filhos e netos, é ainda mais errado que os filhos e
netos de outros, que lutaram pela salvação do mundo, paguem o preço da minha
negligência solitária. Enfim, mesmo que eu, um vilão, deseje ardentemente o
caos final, não é fácil admitir meus intentos publicamente a uma futura avó,
admitindo a ela que desejo o caos para seus netos e bisnetos vindouros. É possível
ser egoísta e mesmo vilão, mas não publicamente. Há limites para o egoísmo
e a humanidade não admite egoístas impunes quando o assunto é Ecologia. O preço
é alto demais para se admitir traidores. Assim, somos coagidos a fazer algo
pela causa, somos socialmente forçados a tomar nosso balde e, pelo menos,
fingir que fazemos nossa parte, embora, no fundo, possamos estar adorando a
chegada caótica do final inevitável.
E
assim, o nosso profissional anônimo, movido pelo altruísmo, ou pelo medo, ou
ainda coagido pelo seu chefe, criou uma página exortando-nos à ação ecológica
em 1999.
Muitos
não a leram, muitos leram, mas não fizeram a lista de boas ações. Muitos
fizeram a lista, mas não a seguiram completamente. Muitos seguiram a lista e
pararam por aí. E muitos ainda cumpriram a lista e foram adiante. O
profissional anônimo foi, então, relativamente bem sucedido em seu intuito.
Mas,
o que ele fez, afinal? Por que ele não se limitou a fazer a parte dele? Ele, na
verdade, fez mais. Ele não nos mostra que está fazendo a sua parte, porque não
sabemos quem é ele e se ele é responsável, ecologicamente falando, no seu
dia-a-dia particular. O que ele fez, e que sabemos com certeza que fez, foi
incitar-nos a agir. Ele nos informou, tentou nos motivar, tentou nos convencer,
ou mesmo tentou nos converter, nos evangelizar. Se ele pratica o que prega, é
outra questão. Enfim, informação ecológica não significa ação ecológica,
assim como ler um livro sobre uma maratona não nos faz mover um único passo.
Motiva-nos?
Talvez. Comanda? Muito provavelmente.
Mas
obedecemos? Quase sempre, não.
Agimos?
Raramente.
Sentimo-nos
culpados? Certamente, em 99% das vezes. A ação, no mundo da informação, é
rara, mas a culpa é certa.
Propagação
de informação não é a mesma coisa que propagação de ação, concluo eu, e
nesta conclusão, não estamos mais falando de Ecologia, e sim de Psicologia,
Sociologia e mesmo de Administração, Política e Marketing. Estamos mesmo nos
embrenhando no campo da Matemática, se nos permitirmos ir um pouco mais a fundo
na questão.
Por
que o profissional anônimo, cônscio de se seu dever ecológico, não se
limitou a fazer a parte dele, sem pregar a outros seus deveres, intrometendo-se,
assim, na vida alheia?
“Ora”,
diria o profissional anônimo em sua própria defesa, “mas eu estou somente
fazendo a minha parte, e ela inclui informar”.
Certo.
Faça a sua parte, mas saiba que a sua parte se subdivide em duas outras partes:
agir e informar. Aja e informe. Era essa a tarefa dos discípulos no início do
cristianismo: pregar boas novas. E funcionou. A idéia é: aja, e depois
propague a ação por meio da informação.
Mas,
por que não se limitar a agir?
Óbvio,
parece, que o simples agir não é suficiente. Que adiantaria nosso profissional
anônimo ser ecologicamente correto, ele, e somente ele, em um mundo repleto de
ignorantes de seus deveres ecológicos?
Há,
na verdade, mil motivos para informar, pregar e evangelizar. Motivos que vão
dos mais altruístas aos mais egoístas. E há mil maneiras de se propagar uma
informação. Maneiras que vão das mais meticulosas, ardilosas, eficientes e
planejadas, às involuntárias, indesejáveis, distorcidas e catastróficas. A
informação, sob certo sentido, não está sob o controle de quem quer que
seja. Um ato pode ser interpretado de diferentes maneiras, e, visto de maneira
errada, mesmo um derramamento de petróleo, como no caso do Exon Valdez, pode
ser interpretado como um ato ecologicamente correto. A interpretação de uma
informação é que lhe dá sentido. E, a menos que se viva em uma caverna, não
há como não ser visto, e assim, ter seus atos, ecológicos ou não,
interpretados por outros que o vêem. Ver é receber informação, e quem vê,
interpreta. As coisas se propagam por elas mesmas. O segredo reside, então, na
interpretação.
Mas
nosso profissional anônimo não foi simplesmente visto e interpretado. Ele
planejou. Ele tencionou informar e convencer-nos a agir. Por que?
Porque,
é senso comum, o problema ecológico é grande demais para ser resolvido por
apenas uma parte da humanidade. Nem só governos, nem só ecologistas, nem só
indústrias, nem só os cidadãos heróicos. Todos, unidos, e somente todos
unidos é a condição, sem a qual não será possível salvar o mundo. Mas por
que o problema requer tanto esforço para ser resolvido?
Porque
ele é imenso. Ele é imenso porque uma quantidade imensa de pessoas, durante
muito tempo, contribuiu para provocá-lo. Há a intuição clara de que uma
quantidade grande de pessoas fazendo a coisa errada durante um longo tempo
provocará no fim um grande problema que, se não for corrigido, acabará com
todos. A menos que seja corrigido, mas, como é um grande problema, a correção
requer uma grande quantidade de pessoas agindo corretamente durante um longo
tempo. Parece óbvio.
Hiroshima
pertence à mesma categoria de problemas? E Chernobyl? E o Exxon Valdez? Quem
sabe então o Saara? Ou então, o Armistício de 1918? Será mesmo que todo
problema deve seguir essa mesma equação?
Não
estou sugerindo passes de mágica, mas quase.
A
conexão causa-problema-solução não é tão óbvia quanto parece, e quando
chegamos a essa conexão, não estamos mais falando de Ecologia, mas de
Filosofia da Ciência. Para o senso comum, o problema ecológico é óbvio. Para
a Filosofia, nem tanto. Para o administrador, bem, ainda não abordamos o
problema ecológico sob o ponto de vista da Administração. Sequer tocamos na
relação. Até agora, nos limitamos a uma abordagem sob o ponto de vista do
senso comum. Mas, será mesmo que podemos encarar o problema ecológico como um
problema de Administração? Creio que sim, mas antes, é preciso que se esclareça
o que eu entendo por Administração, e que eu, depois, justifique minha crença
de que o problema ecológico pode ser encarado como um problema administrativo.
Na verdade, creio que pode ser encarado como mais de um único problema. O drama
ecológico pode ser fatiado em diferentes direções pelo administrador, e ter
essas fatias bem analisadas pelo filósofo da Administração. Talvez seja a
hora de pensarmos melhor sobre o que entendemos por Administração. Mais uma
vez, há a Administração do ponto de vista do senso comum e a Administração
do ponto de vista da Filosofia da Administração. Vamos por partes, do mais
simples ao mais complexo, no conteúdo e no tempo.
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Data original de criação do documento: quinta-feira, 07 de setembro de 2006,
19:00 h