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Um primeiro ataque

Uma constatação óbvia a respeito da Administração como ciência é que, sendo uma ciência, ela precisa ser aprendida. Mas, se precisa ser aprendida, então ela é uma atividade profissional, por assim dizer, da mesma maneira que podemos entender que quem estuda a Medicina se torna médico, quem estuda Engenharia se torna engenheiro e quem estuda Administração se torna administrador. Está correto esse raciocínio?

Do ponto de vista lógico, o raciocínio é impecável.

Então, qual o problema com a profissão de administrador?

O problema é que há muita confusão entre o que faz um administrador, sobre o que se espera dele e sobre o que ele próprio espera da ciência a qual estudou. Estudaremos melhor a respeito da confusão de conceitos e os problemas decorrentes.

O que precisamos questionar agora é: a confusão existe de fato? Se sim, os problemas que ela gera são mesmo problemas reais? E se esses problemas são reais, eles chegam a invalidar a Administração tradicional? Por fim, a Administração tradicional pode ser invalidada por outros problemas que não decorrentes de confusão conceitual?

Se sim, o que mais pode invalidar a Administração tradicional? Ela está sólida em seus alicerces a ponto de refutar a necessidade de uma nova Administração, ou Transadministração?

Essas questões precisam ser investigadas, se pretendemos ir além. Se é assim, ousamos desferir um primeiro ataque.

Inicialmente dissemos que há, em nossa cultura de massa, uma ânsia para se convencer, para se manipular. Essa afirmação, dita no contexto de abertura, referia-se à tentativa de conscientização ecológica partindo de fontes diversas na busca de salvar o planeta de uma futura catástrofe global. Resumidamente: há um esforço de convencimento de que existe um problema ecológico global.

Sem entrar na discussão sobre o fato de que esse problema ecológico global é real ou não, focamos nosso questionamento sobre o esforço de convencimento. Esse esforço existe ou não?

Parece evidente que existe.

As formas e técnicas de convencimento dispensam apresentações no mundo da Administração, embora seja tentador embrenhar-se nelas de imediato. Mas não agora.

O que tentaremos no momento é focar nossa atenção apenas na constatação da existência de um esforço de convencimento de maneira geral, quer seja esse esforço voltado para a causa ecológica, seja para a venda de produtos, seja para fins ideológicos, políticos, culturais, sexuais, religiosos ou outro qualquer.

Podemos negar, por exemplo, o marketing moderno?

Não estamos pedindo a confirmação da eficiência do marketing, mas simplesmente a sua existência.

Podemos negar as milhares de horas de propaganda comercial televisiva?

Podemos considerar genericamente todos os bilhões de emails diários de spam e lixo eletrônico que circulam na Internet como apenas mensagens pessoais sem cunho comercial ou como um gigantesco esforço de convencimento mercadológico?

A negação do esforço de convencimento implicaria em negar o próprio convencimento. Um e-mail replicado aos milhões ou um vídeo sobre um novo carro na televisão exibido dezenas de vezes no mesmo dia não pode ser considerado uma tentativa branda de contato humano. O marketing moderno é de larga escala, ainda que possa ser personalizado como um e-mail que nos trata pelo nosso apelido de ginásio. A existência de um esforço parece inegável.

Por fim, esse esforço não tem outro fim senão o convencimento, em seu sentido genérico.

Quando ligamos a televisão e assistimos meio distraídos um comercial sobre um novo carro de uma marca famosa, esse vídeo foi e será repetido de maneira intensa para um grande número de pessoas. Mas, ele quer nos convencer de que ou a quê?

Ele, o vídeo, não pretende apenas nos informar.

Ele, no fundo, quer nos convencer a comprar.

Há um esforço global de bilhões de pessoas tentando convencer outros bilhões de pessoas a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, seja essa coisa realmente qualquer coisa imaginável. Querem nos convencer a comprar, vender, pensar, acreditar, esquecer, desejar, repudiar, amar, odiar, apoiar e combater. Convencer e converter parecem a mesma coisa e negar que quase toda a propaganda do mundo busca nos convencer de algo é negar a capacidade humana de se comunicar e de escolher caminhos diferentes. Só não pode ser convencido aquele que não pode mudar. Isolamento e teimosia ainda existem, mas mesmo a teimosia quando a nosso favor ainda pode ser uma virtude, que chamamos fidelidade. Então só o isolamento para refutar o esforço de convencimento global. Mas esse isolamento está diariamente se tornando mais raro e ineficaz, porque é da natureza humana ser sociável e aberto a informação. Sendo assim, sociável e integrado, quase todo ser humano está sujeito ao esforço de convencimento global, ainda que não tenha consciência disso.

Dito assim, parece óbvio. E é.

Mas o que tem isso a ver com Transadministração?

Ora, a afirmação de que a Administração é uma ciência também parece óbvia.

Mas podemos tomar por óbvia essa afirmação? A Administração é mesmo uma ciência?

Ou, como dissemos a respeito dos carros e da Ecologia, simplesmente querem nos convencer de que a Administração é uma ciência?

Esse é o primeiro ataque aos alicerces da Administração tradicional e se ele parece débil e as muralhas da tradição continuam inabaláveis, é porque a questão ainda não foi respondida. O ataque não se resume à pergunta acima, mas também à sua resposta.

Um defensor honesto da Administração imediatamente diria que sim, a Administração é mesmo uma ciência, baseada em métodos e princípios consagrados pelas ciências sociais, reconhecida como tal nos meios acadêmicos e somente os profissionais que estudam nos bancos das faculdades podem legalmente se intitularem administradores, ainda que haja muitos casos de pessoas sem as devidas credenciais exercendo a profissão. Um defensor mais astuto da Administração tradicional, já contra-atacando, diria que mesmo que por ventura a Administração viesse a não ser uma ciência, ela poderia ainda assim ser considerada uma coleção de técnicas úteis e possíveis de serem ensinadas, aprendidas e utilizadas, o que ainda a torna importante e digna de ser respeitada. Esse defensor astuto diria que o status de ciência ou arte não invalidaria a utilidade da Administração, esvaziando a pergunta inicial.

Um defensor realmente sagaz iria além e diria que ciência ou não, o problema real não está na Administração como ensinamento, mas nos administradores, afirmando que o sucesso na aplicação desse ensinamento recai na eficácia daquele que o usa e não no ensinamento em si. Seria o equivalente a dizer que sempre que um avião cai, a culpa é do piloto, porque a máquina é sempre perfeita e nunca falha, independente de atribuirmos essa garantia à algo chamado ciência, técnica, arte ou magia.

Por fim, um defensor da Administração tradicional realmente fiel usaria de todas suas armas e maliciosamente nada responderia, mas retornaria uma pergunta com outra, questionando, com ar pensativo: quem teria interesse em nos convencer de que a Administração tradicional é uma ciência, se ela realmente não fosse?

Neste caso, esse defensor fiel estaria já farejando no ar, e já estaria filosofando acerca da Administração. Com toda a sua fidelidade, estaria derrubando a fortaleza.

Os quatro defensores estariam parcialmente corretos. Os quatro também estariam, em diferente graus, equivocados, por diferentes motivos.

Apontar os erros e acertos dos defensores da Administração tradicional implica em revirar os alicerces da muralha e essa tarefa não é simples. Mas é das trincas das muralhas da Administração tradicional que emergem as bases da Transadministração.

Cada defensor merece uma atenção detida e meticulosa.

A apresentação dos defensores da Administração tradicional seguiu uma ordem não aleatória. As defesas apresentadas seguem uma seqüência crescente de complexidade. No entanto, essa gradiente não implica de modo algum em afirmar que a primeira linha de defesa seja banal ou simples. Muito pelo contrário.

As linhas de defesa são complexas e interligadas e contestalas demanda um longo esforço de argumentação. Elas não são novas e por isso mesmo, são sólidas e testadas pelo tempo.

Elas são baseadas na condição científica da Administração.

Quer dizer, elas se firmam no status de ciência que a Administração possui atualmente. A existência dessas linhas de defesa servem ainda para reforçar que ataques a esse status não são de hoje, e se esse status ainda perdura, é porque ele foi provado pelo tempo.

O ataque inicial é, então, o primeiro, mas não o mais original.

Em outras palavras, a Administração já foi contestada antes em sua cientificidade. Parece que foram ataques infrutíferos, mas seria de bom tom estuda-los.

Recapitulando então, o ataque: a Administração tradicional é uma ciência ou apenas querem nos convencer que é uma ciência, quando não é? Seria o mesmo que perguntar: a Administração é ciência verdadeira ou uma falsa ciência?

Resumindo: é ciência ou não?

Mas, o que é exatamente ciência?

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Data original de criação do documento: 27 de setembro de 2009, 07:20 h